Já vimos que os sinais de sistemas de tempo contínuo são transformados em sinais de tempo discreto por meio de amostrador. O mais comum dos amostradores é aquele em que
onde
é o intervalo entre duas amostragens.
O outro tipo de amostrador é aquele em que
ou seja
é multiplicado por um impulso unitário aplicado em t = i.
Como é claro, os 2 amostradores conduzem a resultados diferentes.
Qual o amostrador "verdadeiro"? Depende do "Hardware", essencialmente. Quando há "centelhamento" forte na amostragem (como ocorre em alguns sistemas elétricos) o 2o amostrador se aproxima melhor da realidade. Mas na grande maioria dos problemas reais o 1o tipo de amostrador é de longe mais realista e é atualmente considerado o melhor modelo matemático para amostrador. Daqui para a frente, só consideraremos este tipo de amostrador.
O processo inverso ao de amostragem, i.e., a chamada conversão digital-analógica (D/A) é feita pelos "seguradores" ("holder").
Só trataremos daqui para frente de segurador de ordem zero que é, de longe, o mais utilizado.
No segurador de ordem zero,
Ou por outras palavras, o pulso discreto
de valor f(i)
é convertido num pulso contínuo de amplitude f(i
)
e duração
.
Ou ainda, a resposta do segurador de ordem
zero ao pulso discreto f(i)
é
f(i)[1(t
- i
) -1(t -
i
-
)],
onde 1(t - i
)
e 1(t - i
-
)
são degraus unitários aplicados em i
e (i+1)
, respectivamente.
Pergunta-se a seguir: qual a função de transferência de um segurador de ordem zero?
Em primeiro lugar, antes de responder a esta pergunta, poder-se-ia perguntar se ela faz sentido. Com efeito, a função de transferência é a relação entre as transformadas de Laplace (ou Z) da resposta e da entrada; mas acontece que no segurador a entrada é um sinal de tempo discreto, enquanto que a resposta é um sinal de tempo contínuo.
Para contornar esta dificuldade, podemos assimilar o sinal de tempo discreto a uma seqüência de impulsos
Seja o impulso aplicado no instante i.
Sua transformada de Laplace é
(1) |
Como vimos, este impulso produz a resposta
do segurador
f(i |
(2) |
Ora, a transformada de Laplace da 1a parcela de (2) é
Então a transformada de Laplace da 2a parcela de (2) é
Portanto a transformada de Laplace de (2) é
Em vista de (1), conclui-se que a função
de transferência do segurador de ordem zero é
(3) |
onde ZOH = "zero-order holder".
Quando estudamos nas páginas anteriores
sistemas de tempo discreto, supusemos igual a 1 o intervalo de tempo entre
dois pontos consecutivos das seqüências, ou seja, supusemos
= 1. Quando se trabalha com sistemas amostrados, entretanto, isto é,
sistemas que misturam sub-sistemas de tempo contínuo com subsistemas
de tempo discreto (situação típica: a planta é
de tempo contínuo e o compensador é de tempo discreto, um
computador ou processador), é importante, como veremos, considerar
o intervalo de amostragem,
.
No que se segue, vamos ver qual é
a transformada Z das principais funções de tempo discreto
(= seqüência) quando
é qualquer.
Dada uma função de tempo
discreto f(i),
i = 0, 1, 2, ..., vimos que a sua transformada Z é
É claro que as propriedades (13.1)
e (13.2) permanecem inalteradas, i.e.
, |
(4) |
(5) |
Também permanece inalterada (conferir
as demonstrações) a propriedade (13.3) i.e.,
(6) |
E de um modo geral,
(7) |
Convolução discreta (ver
13.5):
(8) |
onde
São também as mesmas as transformadas
Z do degrau unitário, "pulso" unitário aplicado na origem
e pulso de duração N, a saber (ver (13.6), (13.7) e (13.8))
(9) |
Mas para a "seqüência geométrica", temos um primeiro resultado diferente.
Com efeito, seja
(10) |
(11) |
o qual é igual a (13.9) se só
se = 1.
Vejamos agora a "rampa geométrica",
i.e.
(12) |
Definamos a função auxiliar
(13) |
Comparando isto com (12), temos
(em vista de (11))
(14) |
resultado que é igual a (13.10)
se só se
= 1.
Consideremos agora a "rampa discreta",
i.e.,
f(i |
(15) |
(Observe-se que a expressão acima
também vale para i = 0. Mas começamos a contagem de tempo
com i = 1, tomando f(i)
= 0
0, o que não faz diferença, para podermos considerar (15)
como um caso particular de (12)).
Claro que (15) é um caso particular de (12), com a = 1. Então de (14), vem
a qual é igual a (13.11) se só
se = 1.
Então temos a seguinte tabela de transformadas Z. As 7 últimas não serão deduzidas aqui. (A dedução é, em alguns casos, um pouco trabalhosa, mas não difícil)
Duas propriedades adicionais são
úteis:
Teorema do valor final:
Suponha que
seja analítica em
Então,
(24) |
Teorema de valor inicial:
(25) |
Observações:
1) No 2o membro do TVF pode-se
fazer z = 1 (em vez de z
1) no caso em que
é função racional, o que sempre ocorre neste curso:
ver expressões das transformadas Z das páginas anteriores.
2) No 1o membro do TVI (25)
pode-se fazer i = 0, ao invés de i 0
em todos os casos estudados no nosso curso.
3) Lembre-se que o 2o membro
de TVF para sistemas de tempo contínuo é
Deste fato e da comparação das transformadas de Laplace e Z do degrau, da rampa e da parábola, verifica-se que o ponto s = 0 na transformada de Laplace corresponde ao ponto z = 1 na transformada Z. Isto é uma coisa que vale a pena lembrar quando se deseja memorizar as transformadas do degrau, da rampa e da parábola, bem como o TVF.
Seja um processo ("planta") de tempo contínuo.
Queremos controlá-lo por meio de um computador, ou seja, por um "algoritmo", o qual é de tempo discreto.
Então, temos tipicamente a seguinte
situação quando se usa um segurador de ordem zero:
|
Temos portanto 2 amostradores (sincronizados!)
um dentro e outro fora da malha, um compensador de tempo discreto, C(z),
o qual é um computador, um segurador de ordem zero com função
de transferência
e uma "planta" (processo) de tempo contínuo, com função
de transferência P(s).
Suponhamos que se queira (tipicamente) rastrear assintoticamente r(t) em y(t) e estabilizar a malha. Qual deve ser C(z)?
Para resolver este problema temos que passar antes pelo seguinte problema: qual a função de transferência entre os pontos a e b no diagrama de blocos, passando pelo segurador e pela planta?
Para resolvermos este problema preliminar,
lembramos que a função de transferência é a
relação entre as transformadas Z da resposta e da entrada.
Portanto, a função de transferência procurada vai ser
A melhor função "teste" é, como veremos, o degrau.
Com efeito, se u(i)
= 1
0
(degrau discreto), então é claro que o segurador terá
como resposta x(t) = 1
0.
Mas então .
Portanto
.
.
Daí se calcula
e .
Finalmente para se obter a função de transferência
procurada, basta lembrar que (ver 16e):
.
Vamos ver uns exemplos
Nos 3 exemplos acima o que fizemos foi calcular a seguinte função de transferência ("discreta"), que chamaremos P’(z), conhecida a função de transferência P(s):
|
É claro que, dado P(s), sempre precisamos calcular P’(z).
A seguir temos uma tabela de P(s) e seus
correspondentes P’(z)
(26bis) |
(27bis) |
(28bis) |
(29) |
(30) |
onde
(31) |
onde
Como se verifica, P(s) simples dão origem a P’(z) da mesma ordem, mas com cálculos extremamente complicados dos seus coeficientes. Não é fácil obter tabelas de P’(z). A mais completa que conheço só vai até sistemas de 3a ordem.
Vamos agora considerar o sistema típico
cujo diagrama repetimos:
|
Quando se tem um sistema e malha fechada
(SMF), a primeira pergunta que nos fazemos é: Ele é estável?
Sabemos do 1o curso que se for P’(z) a função
de transferência discreta equivalente da planta-segurador-amostrador,
então o SMF é estável se só se as funções
de transferência
forem próprias e estáveis.
Mais ainda, se a planta for estritamente própria, todo compensador que estabiliza o SMF é próprio.
Então, neste caso (se a planta P’(z)
for estritamente própria) basta verificar se C(z), próprio,
é tal que o polinômio característico tenha todas as
suas raízes na parte boa do círculo unitário, ou seja,
em .
Seguem uns exemplos
Voltando ao diagrama de blocos anterior, suponhamos que se queira rastrear assintoticamente o sinal r(t) na saída da planta, ou seja, suponhamos que se queiray(t)
r(t) quando
É claro que isto implica
y(i)
r(i
) quando
i
Esta, por sua vez, é equivalente
a
e(i |
(36) |
onde é e(i)
o erro, na saída do somador. Ora,
.
Sejam
com Np e Dp coprimos, Nc e Dc coprimos.
Ora, (36) é equivalente a
(38) |
Seja
(39) |
polinômios tais que
é conhecido e fixo, enquanto que r0(z) é desconhecido
e arbitrário (mas fixo).
está
associado aos modos do sinal exógeno a ser rastreado, enquanto que
r0(z) está associado às "condições
iniciais" do sinal.
Por hipótese,
(40) |
Ora, de (37) e (39),
(41) |
Em vista de (40) e da arbitrariedade de
r0(z), é claro que (38) será satisfeito se, e
somente se,
(42a) |
DP(z) DC(z) + NP(z) NC(z) for um polinômio de Schur | (42b) |
Os que fizeram o 1o curso no
semestre anterior sabem que (42a) significa "
divide DP(z) DC(z)", isto é, divide sem resto,
ou seja, quando se divide
por DP(z) DC(z), obtém-se um polinômio.
(42a) e (42b) são condição
necessária e suficiente para o rastreamento discreto do sinal de
referência r(i),
ou seja y(i
)
r(i
) quando
i
,
se, e somente se, (42a) e (42b) forem satisfeitos. (Reportar-se sempre
ao diagrama de blocos da anterior, onde
é
a transformada Z de r(i
)
enquanto
é a transformada Z de y(i
).
Ora é claro que y(t)
r(t) quando t
somente se y(i
)
r(i
) quando
i
.
Mas será que a condição é também suficiente?
(Observe-se que o nosso objetivo inicial
era obter y(t)
r(t) quando t
).
A resposta a esta pergunta é afirmativa,
mas a prova deste fato foge ao escopo deste curso. Se o aluno quiser uma
prova "heurística" da suficiência da condição,
basta pensar que r(i)
r(t)
e y(i
)
y(t)
quando
.
A demonstração rigorosa,
entretanto, envolve cuidados de análise, sendo necessário,
inclusive, levar em conta o teorema de Shanon. Por outras palavras, para
que efetivamente se tenha y(t)
r(t) quando t
é preciso que o intervalo de tempo entre duas amostragens (
)seja
suficientemente pequeno. Em caso contrário pode ocorrer que
y(i)
r(i
) quando
i
mas
y(t)
r(t) quando i
Isto posto, vamos ver um exemplo.
Como vimos no 1o curso, a condiçãoNeste caso, a solução é robusta com relação a perturbações nos parâmetros da planta.
Cumpre observar também que o problema
não tem solução (robusta, ou não) se NP
e c
não
forem coprimos; com efeito, se isto ocorre, DP DC+NP
NC não pode ser Schur.
Vamos agora estudar o problema da rejeição dos distúrbios.
Três situações podem ser consideradas:
i) Distúrbio entre o compensador e o segurador. (Esta situação é pouquíssimo comum, pois compensador e segurador são projetados e implementados de modo a evitar a existência de distúrbios).
ii) Distúrbio na entrada da planta
iii) Distúrbio na saída da planta e antes do canal de realimentação
Uma 4a possível situação seria o distúrbio no canal de realimentação. Tal como a 1a, esta situação é raríssima, pois se trataria de um distúrbio na entrada de compensador. Mais ainda, já estudamos o efeito de um sinal a ser rastreado na entrada do compensador, que é, aliás, o problema mais importante.
i) Comecemos portanto com o problema da
rejeição assintótica de distúrbio localizado
entre o compensador e o segurador
|
,
onde
(z)é
conhecido, w0(z) é desconhecido.
Seja P’(z) a função de transferência entre a entrada do segurador e a saída do amostrador.
Então temos o diagrama
|
Então o problema é resolvido
se, e somente se,
1) |
(45) |
2) DP DC+NPNC
Schur
Observação:
1) Suponha que
e Np não sejam coprimos, isto é, tenham algum(s)
zero(s) comum(s). Neste caso, o problema não tem solução
robusta, porque ao fazermos
|
DP, Np e DC terão zeros instáveis
comuns e portanto DP DC+NP NC
não será Schur.
2) Suponha por exemplo que (s - )2
seja
fator de
e que (s -
) seja fator de Np,
mas (s -
)2 não
seja fator de Np. Neste caso teríamos que escolher Dc
tal que (s -
) seja fator dele,
mas com esta escolha DP DC+NP NC
não é Schur e, consequentemente, nesta situação
o problema não tem solução, robusta ou não.
ii) Passemos agora ao estudo do distúrbio
entre o segurador e a planta:
|
Se o tempo de amostragem
for pequeno, o diagrama acima é equivalente a
|
É claro que a contribuição
de w(i) na entrada
da planta será uma "escada" e não um sinal contínuo.
Mas se
for
pequeno, as duas funções serão aproximadamente iguais.
Definindo
Z[w(i)
= wo(z)/
(z),
obtemos as condições (45)
tal como no caso anterior
1) |
(45bis) |
2) DP DC+NPNC Schur
iii) Vejamos agora o problema de rejeição
assintótica de distúrbio na saída de planta.
|
É claro que o sinal
aparecerá, depois de passar pelo amostrador, como
.
Então temos o seguinte diagrama de blocos.
|
Observe-se que
deste diagrama aparece na entrada do somador esquerdo do diagrama anterior.
É bom lembrar também que
e
não têm a mesma expressão matemática com s substituído
por z.
Como sabemos
é a transformada Z do sinal amostrado w(i
).
Ou seja, se denotarmos por D(.) o operador amostrador, temos
=
Z[D[
-1(
)]}.
Usar o mesmo símbolo
para as duas transformadas é, portanto, um "abuso de linguagem matemática",
mas que está presente, com freqüência, na literatura
especializada.
Voltando ao diagrama de blocos anterior, temos
Temos, portanto, as mesmas condições
do rastreamento assintótico, com
substituído por
,
ou seja,
1) |
(46) |
2) DP DC+NPNC Schur
A primeira condição deve
ser substituída, como vimos, por |
DC, se desejarmos rejeição assintótica
robusta com relação a perturbações nos parâmetros
de planta.
Para encerrar este capítulo e o curso, consideremos o problema do rastreamento e rejeição de distúrbios. É claro que tanto no rastreamento como nos diferentes casos de rejeição de distúrbios, o que se quer é que o erro (entrada do compensador) tenda assintoticamente a zero. Consequentemente, podemos aplicar o princípio de superposição, pois se trata de sistema linear.
Seja (z)
o denominador de r(s), sinal a ser rastreado, e sejam
1(z),
2(z)
e
3(z)
os denominadores das transformadas Z dos distúrbios correspondentes
às figuras 2, 4 com 5 e 6 com 7, respectivamente.
Seja
=
m.m.c. (
,
1
,
2,
3)
Então, em vista de (42) (45) e (46),
o problema é resolvido robustamente se
1) |
(48) |
2) DP DC+NPNC Schur