Esta tese de doutorado foi realizada no programa de Pós-Graduação em Serviço Social da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio), na linha de pesquisa Violência, Direitos, Serviço Social e Políticas Intersetoriais, vinculada ao grupo de pesquisa do CNPq Estado, Sociedade, Políticas e Direitos Sociais (GESPD). Teve como objeto de estudo a análise dos usos dos conceitos de acolhimento e escuta qualificada no SUAS. O objetivo geral da pesquisa foi identificar os sentidos atribuídos aos conceitos de acolhimento e escuta qualificada na política de Assistência Social por profissionais da esfera municipal e teve como objetivos específicos: analisar as noções de acolhimento e escuta qualificada nos textos da Assistência Social e nos referenciais teóricos da literatura especializada; identificar nos discursos sobre a prática dos trabalhadores pesquisados a compreensão dos conceitos acolhimento e escuta qualificada; e, identificar as atribuições e competências profissionais no trabalho com famílias quando se requisitam acolhimento e escuta qualificada nos serviços socioassistenciais de proteção básica e especial. O percurso metodológico contou com o levantamento bibliográfico e com a recuperação das indicações de manuais e cadernos de orientações de serviços socioassistenciais que determinam o fazer profissional nas duas estratificações de proteção social da assistência social. Além da pesquisa documental e bibliográfica, a busca por elementos empíricos foi realizada em pesquisa de campo com profissionais que atuam no SUAS do município de Niterói/RJ, durante o ano de 2022. Para este encontro com os trabalhadores foi escolhida a metodologia qualitativa interativa, materializada em formações de grupos de trabalhadores de todos os níveis de escolaridade e diferentes lotações na proteção social básica, especial e coordenações. Ainda como elemento facilitador no trabalho com os grupos, foram utilizados textos da literatura brasileira, com leituras coletivas, registrando em áudio as percepções dos trabalhadores sobre os contextos, personagens, autores e as respectivas aproximações desses com a realidade diária do SUAS no município e comas demandas e requisições profissionais no trabalho com famílias. Com isso, buscouse oportunizar o uso da literatura como intermediária entre os saberes dos participantes dos grupos durante a pesquisa de campo. Assim, acredita-se que a pesquisa pode contribuir para uma perspectiva menos convencional no campo das análises de políticas públicas. A construção dos capítulos partiu do reconhecimento desta política social enquanto política pública setorial no quadro de estruturação das respostas estatais às expressões da Questão Social no Brasil, buscando as contradições de sua vinculação histórica aos elementos de formação do Estado brasileiro, que mantém os atributos conservadores de sua origem colonial. Para fortalecer este argumento a pesquisa levantou as principais mudanças institucionais da política no período entre1988 e 2022, demonstrando as alterações normativas e organizacionais, percebidas como alterações incrementais, que mantiveram as características de particularização do cuidado familiar como abordagem de enfrentamentos das desigualdades inerentes a um sistema de produção macroeconômico. Esta abordagem temporal da política considerou sua implementação em diferentes períodos e governos partir de uma análise institucionalista histórica, entendendo esta como uma das muitas possibilidades de análises sobre políticas públicas. Ao buscar compreender a trajetória de alterações na Assistência Social deste período, interessou especialmente pela incorporação de conceitos originados em outras políticas setoriais, como a saúde por exemplo. Observando assim, mais que uma intenção de buscar no Sistema Único de Saúde (SUS) um modelo para sua estrutura organizativa, a Assistência Social absorveu alguns conceitos emblemáticos para a definição de qualidade dos serviços sem as devidas mediações necessárias, visto os objetos diferentes de intervenção, sendo dois desses conceitos problematizados nesta pesquisa. Deste modo, os estudos levaram a problematizar o conceito de competência profissional, presente no discurso neoliberal, para localizar as requisições institucionais direcionadas aos trabalhadores do SUAS. Identificamos nos documentos uma investida para que os trabalhadores executem as ações de acolhimento e escuta qualificada como ações inerentes a qualquer trabalhador do SUAS, independentemente da formação acadêmica, originando assim, a questão central desta tese. O que é escuta qualificada e acolhimento e como esses dois conceitos são compreendidos pelos trabalhadores da Assistência Social no trabalho com famílias nos diferentes serviços socioassistenciais? Como resultados, e não respostas finalísticas, elencamos três principais achados. Primeiro, a pesquisa salientou que as contradições históricas do país precisam ser mais bem compreendidas para o desvelamento das limitações e constrangimentos atuais da Assistência Social. Em segundo confirmou que o uso da interlocução entre política pública e literatura promove digressões e significantes em uma relação dialética que aproxima a prosa literária das cenas do cotidiano das unidades socio-assistenciais. A experiência permitiu um movimento essencial para o estranhamento entre ditos conhecimentos técnicos predeterminados pelas cartilhas de atuação dos profissionais, a partir do poder da literatura de ofertar um lugar indireto aos saberes. E em terceiro, expôs a necessidade urgente, não alcançada por esta limitada pesquisa, de descortinaras demandas explicitas e as respostas concretas que esta política oferta. Para tal, aponta como possível caminho a problematização de conceitos que vem formatando e limitando as possibilidades de intervenção das diversas categorias profissionais que compõem o SUAS.