A segunda metade do século XVIII foi marcada por algumas das mais significativas revoluções da história ocidental. Assim como nas artes e na produção científica, a filosofia apresentou incontestáveis mudanças, em geral possibilitadas pela ascensão da burguesia esclarecida. Entre as mais significativas inovações filosóficas desse período encontra-se a Wissenschaftslehre (doutrina-da-ciência) de Johann Gottlieb Fichte (1762-1814). Surgido num momento marcado por vigorosas querelas em torno da recepção de Kant, o projeto de Fichte foi um divisor de águas entre a filosofia crítica kantiana e a tradição dialética alemã. Este artigo tem por finalidade mostrar de que maneira Fichte, em sua primeira tentativa de estabelecer o princípio fundamental da doutrina-da-ciência, assimilou elementos da filosofia de Karl Leonhard Reinhold (1757-1823) e das refutações céticas apresentadas por Gottlob Ernst Schulze (1761-1833) contra o criticismo. Com a análise de seções presentes em sua Resenha de Enesidemo (1794), mostrarei como Fichte adequou o projeto de Reinhold – dar à filosofia uma proposição fundamental auto-determinada – às exigências de Schulze, concluindo que a filosofia deveria ser capaz de garantir tanto a validade formal quanto a real do princípio fundamental que embasaria todo o sistema do conhecimento humano. Para isto, esse artigo será dividido em três momentos. No primeiro, veremos como Reinhold estabelece a proposição fundamental de seu sistema. No segundo, analisaremos as objeções céticas apresentadas por Schulze contra as teses de Reinhold. Por fim, veremos como Fichte – na tentativa de adequar o projeto fundacionista reinholdiano às objeções de Schulze – estabeleceu as condições necessárias para que a proposição fundamental de seu sistema pudesse garantir, por si mesma, sua certeza e, consequentemente, a do sistema que embasa.