No cenário das décadas de 1960 e 1970, é plenamente possível pensar um espírito de renovação das vanguardas modernistas, principalmente sobre as figuras de Oswald e Mário de Andrade, na reinterpretação de obras como a peça O Rei da Vela (1967) e a adaptação cinematográfica de Macunaíma (1969). Entendendo a arte e a cultura como formas de contextualizar e analisar o período da Ditadura de 1964, considera-se esse movimento de retomada como uma apropriação não só artística, mas de perspectiva social. Uma forma das intelectualidades da época reavaliarem uma arte engajada e conectada a uma cultura popular genuinamente nacional, em oposição às ideias de nação promovidas pelo regime. Objetiva-se analisar, então, como especificamente Mário de Andrade se tornou a personificação dessa busca, um elemento constante da memória coletiva dos movimentos de resistência cultural durante o regime de 64. Para compreender essa conjuntura político-cultural, pensa-se aqui a análise de dois periódicos alternativos, o Leitura (1942-1973) e O Pasquim (1969-1991), como espaço de encontro de artistas, estudantes e militantes na divulgação da lembrança de Mário de Andrade. Repensado por esses grupos como uma herança moral que funde sua vida e obra, desde a figura de Macunaíma até seu trabalho no Departamento de Cultura, esta pesquisa busca elucidar as complexas interações entre política, cultura e identidade nacional. Analisa-se como a memória de Mário foi reinterpretada e instrumentalizada no discurso das esquerdas e dos movimentos sociais e como, a partir disso, podemos entender como esses grupos percebiam e refletiam o cotidiano em que viviam.