O objetivo deste trabalho é investigar a fundação da comunidade humana através das semelhanças entre os pensamentos de Sigmund Freud e Thomas Hobbes. Nossa proposta não é igualar as proposições dos autores, apagando as diferenças existentes entre um e outro, mas compreender a influência da filosofia hobbesiana em um dos pensadores mais inventivos do século XX. A distância de três séculos entre eles ressalta a contínua relevância da metodologia filosófica política de Hobbes na busca pelo sentido da ação humana e na construção de um repertório discursivo sobre o mundo social. Demonstraremos como o processo de utilização da psicanálise como instrumento de análise social por Freud — especialmente nas obras Totem e Tabu (1913), Psicologia de Grupo e a Análise do Ego (1921) e O Mal-Estar na Civilização (1930) — se assemelha ao caminho desenhado por Hobbes em O Leviatã (1651), que vai do homem e sua natureza desejante à necessidade de um contrato comum possibilitado pela figura do soberano. Nossa análise terá como foco três pontos de intersecção entre as teorias dos dois autores. Estes pontos são: indivíduo como fundamento de inteligibilidade do social e o papel da auto-observação como instrumento de conhecimento sobre o humano; o conflito entre indivíduo e civilização que contraria a tese do humano como animal essencialmente político; a necessidade de uma figura de autoridade - pai em Freud e soberano em Hobbes - na passagem da natureza à cultura.