APRESENTAÇÃO

      Este número de Tradução em Revista — o primeiro veiculado exclusivamente através da internet — é dedicado ao tema da nova linha de pesquisa que inauguramos neste ano na PUC-Rio: a tradução de poesia. Trata-se de um campo em que o Brasil atingiu uma posição de destaque, principalmente a partir de meados do século passado, graças ao trabalho excepcional de Haroldo e Augusto de Campos e outros tradutores a eles associados, dos quais há que destacar Boris Schnaiderman. Assim, nada mais justo do que iniciar este número da nossa publicação com um punhado de traduções de poetas latinos — Horácio e Catulo — assinadas por Augusto de Campos, cujas traduções foram estudadas no decorrer do primeiro curso oferecido nessa nova linha de pesquisa. Também se discutiram ao longo do semestre alguns ensaios fundamentais de Haroldo de Campos, inclusive suas análises magistrais das traduções do Fausto (publicadas em Deus e o Diabo no Fausto de Goethe), que constituíram o ponto de partida para nossa investigação. A disciplina inaugural foi ministrada no primeiro semestre de 2006 com a valiosa colaboração do prof. Walter Carlos Costa, da UFSC, e contou também com a participação especial de Bruno Palma, autor de notáveis traduções poéticas, o qual apresentou uma palestra sobre sua versão de Amers de Saint-John Perse. Estão incluídos neste número de Tradução em Revista o texto que resultou da fala de Bruno Palma e um artigo de Walter Costa (em colaboração com Andréia Guerini) sobre a aplicação do conceito de "colocação" na tradução de poesia.
      Dos demais trabalhos, dois representam a pesquisa no campo da tradução poética em outros centros de estudos brasileiros. De Brasília, o tradutor e pesquisador Álvaro Faleiros nos envia um texto sobre uma forma de rima que aparece em canções de língua portuguesa, tanto nos cantares d‘amigo medieval quanto nas canções de Chico Buarque de Holanda, utilizando-a em seguida na tradução de uma peça da lírica trovadoresca provençal. Da Bahia, o professor de dramaturgia Marcos Barbosa de Albuquerque apresenta uma análise do Ricardo III de Shakespeare, defendendo a importância de se levarem em conta os aspectos formais do verso shakespeariano na tradução.
      Os outros artigos aqui publicados são versões elaboradas de trabalhos finais apresentados por participantes deste nosso primeiro curso de tradução de poesia ministrado na PUC-Rio. Ana Paula El-Jaick, que vem desenvolvendo um estudo no campo da semântica em torno das teorias não-representacionistas do significado, analisa sob uma ótica wittgensteiniana algumas das abordagens à tradução de poesia estudadas no curso. Martha Maria Queiroz, em seu artigo, analisa duas traduções suas de poemas infantis de Robert Louis Stevenson, levantando soluções pontuais, estabelecendo correspondências e contabilizando perdas e compensações, valendo-se de alguns dos conceitos e convenções propostos e discutidos no decorrer do curso. Os demais artigos são análises comparativas de traduções alternativas de textos poéticos específicos. Dois deles se debruçam sobre a obra de Shakespeare: o de Márcia Paredes Nunes faz um cotejo minucioso entre duas traduções de uma passagem importante do Otelo, enquanto o de Giovana Campos analisa um par de versões do soneto 144. Clarissa Soares, por sua vez, compara quatro traduções de um poema de William Blake.
      A recém-criada linha de pesquisa em tradução poética tem por objetivo fundamental desenvolver uma metodologia que permita empreender avaliações minimamente objetivas de traduções de poemas, através do estudo minucioso de originais e traduções, levando-se em conta não apenas os aspectos semânticos mas também os elementos formais. Os textos de alunos aqui incluídos estão entre os primeiros frutos dessa pesquisa. Temos a esperança de que muitos outros hão de vir.

Paulo Henriques Britto