Resenha


Livro: Filosofia e Educação: De Sócrates a Habermas

Autor: Leandro Konder

Resenhista: Ralph Ings Bannell

O suave contestador na trama da história

“A história não segue um curso arbitrário, não tem um movimento absurdo, que escapa sempre – e por completo – ao conhecimento dos seres humanos... tem sentido, sim, e é um sentido que depende daquilo que os homens que fazem conseguem lhe impor” (p. 87)

        Em 2002, quando Leandro Konder recebeu o prêmio Intelectual do Ano, do Jornal do Brasil, a reportagem que saiu sobre o fato teve o título de “O suave contestador”. Esse livro demonstra claramente essa característica do autor, porque na mesma maneira em que um leitor não atento poderia concluir que trata de uma breve história de pensadores que discutiram questões que têm implicações para a educação, o leitor mais atento vai perceber que a discussão se fundamenta numa filosofia da história inspirada em Marx, mas elaborada numa maneira suave, não doutrinária, fruto do diálogo que o autor tem tido com o marxismo ao longo de sua brilhante carreira.

        Como o epigrafo acima indica, o sentido de história defendido por Konder é um que tem a intervenção da subjetividade humana como eixo central. O livro trata da dimensão teórica e ideológica dessa intervenção. O livro começa com os pré-socráticos, os sofistas, Sócrates, Platão e Aristóteles, passa rapidamente pelo cristianismo e feudalismo, para se deter mais nos pensadores renascentistas, os grandes filósofos dos séculos XVI e XVII e do Iluminismo para, na última parte do livro, concentrar nos socialistas dos séculos XIX e XX. O penúltimo capítulo do livro trata o tema da razão, com discussões dos positivismos da segunda metade do século XIX e início do século XX, bem como os irracionalismos do mesmo período, fechando com uma discussão do inconsciente no pensamento contemporâneo. Por final, o livro fecha com uma pequena revisão do pensamento encontrado no livro como um todo, mas acrescentando alguns aspectos da filosofia contemporânea, antes de terminar com uma breve discussão do pensamento de Jürgen Habermas.

        No entanto, um panorama do conteúdo desse livro não pode mostrar a sutileza pela qual cada filósofo é discutido. Os pensadores, as idéias e os textos estão escolhidos a dedo, para mostrar como cada pensador foi engajado na sua época, tentando compreender e explicar a realidade, processo esse que produziu teorias que, por sua vez, contribuíram a moldar essa própria realidade. Mas essa análise não tem nada a ver com idealismo! Cada filósofo e seu pensamento são cuidadosamente contextualizados no fluxo da história e suas contradições. Alias, a ênfase na “mudança constante do real”, e suas relações complexas com o pensamento desenvolvido para tentar compreende-lo, é um constante no livro – talvez seu fio condutor. Essa abordagem produz o que poderiam ser surpresas agradáveis para o leitor; por exemplo, o tratamento de “dois plebeus na filosofia”, Domenico Scandella e Jakob Boehm, junto com pensadores consagrados como Montaigne, Giordano Bruno, Francis Bacon, Pascal, Espinosa e Locke. Por que resgatar o pensamento de um fabricante de queijos e um sapateiro? Porque foram contestadores de sua época, não somente no plano de idéias, mas também, e inseparavelmente, no plano do movimento do real. Alias, o tema de contestação é outro que perpassa todo o livro e não somente no tratamento dos socialistas, mostrando claramente como a reflexão dos pensadores discutidos é condicionada, mas não determinada pelos (e menos ainda um mero reflexo dos) problemas coletivos enfrentados não somente por eles, mas por todo mundo na época na qual escreveram.

        Cabe o autor de uma resenha desenvolver algumas críticas ao texto sendo analisado. Nesse caso, essa tarefa é difícil, mas há duas observações que gostaria de elaborar. Uma se refere ao número muito grande de pensadores tratados, resultando na mera menção de alguns e um tratamento muito breve de outros. A natureza introdutória do livro e seu tamanho podem explicar isso, mas mesmo assim é pertinente perguntar se um número menor de filósofos, discutidos em mais profundidade, não teria sido melhor. Outra curiosidade é o capítulo sobre a razão, que discute positivismo, irracionalismo e a desconfiança na razão que se fundamenta nas teorias do inconsciente, mas sem discutir formas de racionalismo contemporâneo que tentam superar tanto o positivismo quanto o racionalismo Iluminista. Alias, a discussão de Habermas, talvez o mais conhecido desses racionalistas, não está incluída nesse capítulo, mas no final do capítulo que faz um resumo do argumento do livro como um todo, que pode dar a impressão de que Konder considera o pensamento habermasiano o caminho mais promissor para a continuação de nossa compreensão do movimento do real.

        Na sua discussão de Rabelais, Konder diz que “seu quadro de referências era excepcionalmente amplo”, algo que poderia ser dito com relação às referências do autor desse livro. Para o graduando, esse livro é um curso em conhecimento e cultura geral, além de ser um tratamento exemplar de como uma abordagem histórica pode ser filosófica. Se há um desinteresse em filosofia por parte dos educadores, especificamente aqueles em formação, expressada na freqüente pergunta sobre sua utilidade, esse livro poderia ser um caminho divertido, embora sério, para educadores encontrar de novo sua razão de ser. No entanto, a sutileza da abordagem de Konder, mencionada no início dessa resenha, pode induzir alguns estudantes a não perceber a filosofia da história que fundamenta toda a discussão. Por isso, seria necessário um bom guia, para ajuda-los aproveitar o máximo o texto. Para aqueles que nunca duvidaram da utilidade de filosofia, esse livro é repleto de observações, reflexões e comentários que mostram não somente a importância da filosofia para a educação, mas como, nas palavras do autor, “uma abordagem histórica (...) nos põe diretamente em contato com o que vem do passado e nos atinge no presente”.