A elite docente na produção da qualidade de ensino


Zaia Brandão
Cristina Carvalho
Sibele Cazelli

SOCED/PUC-Rio

        Os rankings do vestibular - divulgados anualmente pela imprensa carioca - normalmente pretendem estar indicando as melhores escolas do Rio de Janeiro. No objetivo de conhecer em mais profundidade as características institucionais e os processos de produção do sucesso escolar1, o SOCED, nestes últimos anos, vem investigando as populações e escolas que normalmente estão situadas no ápice destas listagens.

        Embora não haja dúvida a respeito da importância das características da clientela na configuração das condições de produzir a excelência escolar em que se fundamenta o prestígio das escolas, as investigações do SOCED tem-nos permitido focalizar características institucionais que se articulam com as do mundo natal dos alunos dessas escolas formando uma trama de condições favoráveis à produção da qualidade do ensino destas instituições.

        Este artigo analisa certas características dos docentes de duas escolas estudadas pelo SOCED: uma confessional e outra bilíngüe2. O principal instrumento utilizado foi o questionário do professor que compôs o survey do SOCED do qual constavam dois outros questionários: os dos alunos e pais. O instrumento foi aplicado em outubro/novembro de 2002 e respondido por 29 professores dessa série (17 do colégio bilíngüe e 12 do confessional)3.

Uma elite docente

        Quando cotejados com o quadro da carreira docente do ensino fundamental e médio no Brasil esse grupo representa indiscutivelmente a elite do magistério. Sob os mais diversos pontos de vista que serão analisados abaixo - nível de qualificação formal, experiência, salários, condições de trabalho - esses professores se destacam.

        Entre as características que contribuem para um clima escolar favorável (Bressoux:1994, Cousin: 1998), destacam-se: a experiência, a satisfação no trabalho e as boas condições de exercício docente. Entre os professores investigados, 96% têm mais de 40 anos (sendo que 47% estão acima dos 50 anos)4. Em termos de salário bruto como professor, 45% ganham mais de R$ 4400, 00 mensais sendo que 35% auferem salários entre R$2800,00 e R$4400,00; estes patamares estão significativamente acima das expectativas da maioria dos docentes que ensinam nestes níveis no Brasil5.

        O tempo de trabalho dos professores nessas escolas pode ser tomado como um indicador de satisfação6. No colégio confessional nenhum deles trabalha há menos de 5 anos na instituição, sendo que a metade concentra-se na faixa de 16 a 25 anos. Embora os índices no colégio bilíngüe sejam inferiores - 35% dos professores estão há menos de 5 anos na instituição e 23% de 16 a 25 anos – isto parece decorrer das características da instituição que conta com uma parcela de professores estrangeiros os quais, após um período no Brasil, retornam ao país de origem, provocando uma maior rotatividade dos membros do corpo docente.

        Foi possível constatar ainda que a posição socioeconômica dos professores estudados, no que diz respeito ao indicador renda, é superior a da maioria dos profissionais do magistério. De acordo com o estudo da CNTE, a média dos salários dos trabalhadores em educação situa-se na faixa de R$ 500 a R$ 700. Além disso, as pesquisas do Fundo das Nações Unidas para Educação e Cultura (Unesco) e da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) reiteram que os trabalhadores em educação do Brasil possuem um dos piores salários entre 32 países de economia equivalente.

        Os professores dos colégios estudados, portanto, auferem os salários mais altos dessa categoria e situam-se nos níveis mais elevados de renda da população brasileira (acima de 20 salários mínimos). Os professores do colégio bilíngüe possuem um nível salarial mais elevado, com 35% na faixa de R$ 2.801,00 a R$ 4.400,00 e 59% acima de R$ 4.400,00; e no colégio confessional, chama a atenção a distribuição percentual equânime (25%) nas três das faixas superiores da tabela 1 apresentada a seguir. No caso da renda familiar bruta, ocorre um diferencial: 100% dos profissionais do colégio confessional encontram-se na faixa de R$ 3.601,00 a R$ 8.000,00 e 35% daqueles do colégio bilíngüe. Contudo, 59 % do bilíngüe possuem uma renda familiar bruta acima de R$ 8.000,00.

Tabela 1

Distribuição do salário bruto

Faixa salarial Colégio bilíngüe Colégio confessional
R$ 1.200,00 a R$ 2.000,00
-
17%
R$ 2.001,00 a R$ 2.800,00
6%
8%
R$ 2.801,00 a R$ 3.600,00
29%
25%
R$ 3.601,00 a R$ 4.400,00
6%
25%
Mais de R$ 4.400,00
59%
25%

Tabela 2

Distribuição da renda familiar bruta

Faixa salarial Colégio bilíngüe Colégio confessional
R$ 1.200,00 a R$ 2.000,00
-
-
R$ 2.001,00 a R$ 2.800,00
-
-
R$ 2.801,00 a R$ 3.600,00
6%
-
R$ 3.601,00 a R$ 4.400,00
12%
42%
R$ 4.401,00 a R$ 8.000,00
23%
58%
Acima de R$ 8.000,00
59%
-

        Estes índices situam indiscutivelmente este grupo entre a elite sócio-econômica do país, fato este corroborado pelos próprios professores na resposta à pergunta aberta sobre se consideravam-se parte de uma elite: poucos responderam negativamente e, a maioria ao se reconhecer entre as elites brasileira, o fez por perceber a excepcionalidade de seu grau de escolaridade no contexto da população brasileira, assim como do seu padrão salarial bem mais elevado, se comparado ao da categoria de professores, como já assinalamos.

        As características do corpo docente? por sua vez? evidenciam um grupo de professores: bastante experiente, quase todos com mais de 40 anos de idade e mais de 16 anos de formados; muito estáveis nestas escolas (49% trabalhando na escola por mais de 16 anos) e que se reconhecem como no ápice da carreira auferindo os melhores salários da categoria (72% considerou seu salário acima da média)? O tempo de magistério nessas escolas pode ainda ser inferido como um indicador das boas condições de trabalho oferecidas por essas instituições? Segundo Cousin (1998) a estabilidade do corpo docente e da equipe administrativa é uma das pré-condições fundamentais para a construção de ‘políticas institucionais de sucesso7. Este autor enumera entre outros indicadores importantes para a construção da excelência escolar: sua imagem perante a clientela; a coesão institucional e a adesão do corpo docente ao projeto institucional.

        Sintetizando, temos nestas escolas um grupo de professores: bastante experiente, quase todos com mais de 40 anos de idade e mais de 16 anos de formados; muito estáveis nestas escolas (49% trabalhando na escola por mais de 16 anos) e que se reconhecem como no ápice da carreira auferindo os melhores salários da categoria (72% considerou seu salário acima da média)? Cousin (1998) enumera entre outros indicadores importantes para a construção da excelência escolar: a imagem das escolas perante a clientela, a coesão institucional e a adesão do corpo docente ao projeto institucional8, características estas que, ainda que de forma muito preliminar, pudemos inferir do material empírico com que trabalhamos até o momento.

Formação profissional e condições de trabalho

        Estes professores também se destacam no que se refere à qualidade das instituições em que se formaram e ao tempo de experiência no magistério, como assinalamos abaixo. Freqüentaram as melhores universidades (poucos se formaram em faculdades isoladas) e uma pequena proporção apenas, é de recém formados. O exercício da profissão se dá, na maioria das vezes, tanto na rede privada como na pública (76% do colégio bilíngüe e 83% do confessional), o que significa experiência em escolas e com alunos com escassos recursos materiais, culturais e simbólicos, como é o caso da maior parte da clientela e das escolas dos setores públicos municipais e estaduais. Essa experiência normalmente lhes propicia o acúmulo de um capital profissional e técnico (no sentido de ampliação de estratégias e de recursos didático-pedagógicos “compensatórios") que certamente potencializa as condições de um bom trabalho pedagógico junto a uma população que já é privilegiada do ponto de vista sócio-cultural e material.

        Os dados de formação desses docente indicam: no colégio bilíngüe, 88% estudaram em instituições públicas e 12% em particulares; e no colégio confessional, 67% nas públicas e 33% em particulares (cabe lembrar, neste caso, a forte presença da PUC-Rio entre essas, o que permite relativizar o consenso sobre a menor qualidade, em geral, da formação em instituições de ensino superior privado).

        Analisando o tempo em que obtiveram a graduação percebe-se que no colégio confessional o seu quadro de profissionais é formado há mais tempo: 42% de 16 a 25 anos e 58 % há mais de 25 anos; no colégio bilíngüe 18 % dos professores formaram-se há menos de 15 anos; 29 % de 16 a 25 anos; 53 % há mais de 25 anos. Apesar dessa diferença percentual, os dois colégios contam com o apoio de profissionais bastante experientes.

        As titulações obtidas são indicadoras do elevado grau de qualificação desses professores, conforme pode-se verificar na tabela que se segue. A escolaridade é elevada e similar à dos pais dos alunos: 71% do colégio bilíngüe e 58% do outro colégio possuem pós-graduação. Vale destacar que apenas professores do colégio bilíngüe têm o doutorado (12%). Entretanto, é importante ressaltar que os elevados percentuais de especialização indicam, em princípio, uma qualificação mais adequada do que os graus de mestrado e doutorado, no caso dos profissionais dedicados ao magistério9.

Tabela 3

Nível de escolaridade

Curso de mais alta titulação Colégio bilíngüe Colégio confessional
Ensino superior
29%
42%
Especialização
41%
42%
Mestrado
18%
16%
Doutorado
12%
-

        Entretanto, dois dados surpreendentes merecem ser assinalado: referem-se à elevada carga horária dos docentes destas escolas de 30 a 40 horas-aula semanais e aos múltiplos vínculos institucionais ainda presentes entre esses docentes. No caso do colégio bilíngüe, são 28% os que trabalham exclusivamente nesta escola; 47% trabalham em 2 escolas, e 24% em 3 ou mais escolas. Já no colégio confessional é de 50% o percentual dos que trabalham só naquela escola; 33% em 2 e 17% em 3 ou mais. Essas várias inserções institucionais, de professores que trabalham em escolas consideradas como as melhores do município do Rio de Janeiro, é um indicador do quanto a carreira do magistério, entre nós, se distancia dos padrões internacionais de qualidade de ensino. Não é pois surpreendente a inferioridade do desempenho escolar no Brasil na avaliação da OCDE/PISA, amplamente comentada pela mídia (dezembro de 2004), até mesmo quando se estratificam os dados do PISA, para comparar os resultados dos alunos representantes das elites dos países da amostra10.

        O trabalho de 30 a 40 horas-aulas semanais exigindo vários deslocamentos, para diferentes escolas, numa metrópole cuja circulação no trânsito é especialmente desgastante nos horários escolares, certamente não representa uma política adequada ao bom rendimento dos professores, mesmo quando são experientes e bem qualificados. Além dessa carga excessiva de horas/aula, a multiplicação de número de turmas e de alunos sobrecarrega a maioria desses professores11. São os professores mais experientes e muitas vezes já aposentados no setor público que compõem o maior percentual dos professores em dedicação exclusiva nestas instituições. É inevitável lembrar os efeitos perversos da ausência de uma política pública que viabilize uma carreira no magistério publico (municipal e estadual, sobretudo) que garanta a fixação dos professores mais qualificados e experientes nessas redes de ensino.

O contexto de trabalho

        Apesar da subjetividade normalmente associada à avaliação do clima escolar, incluímos nos questionários dos professores e alunos algumas questões visando obter alguns indicadores sobre este aspecto. A percepção dos alunos acerca do ambiente escolar, da ação dos professores e do processo de ensino-aprendizagem nos permite afirmar a existência de um clima escolar positivo? Os alunos investigados vêem ambas as escolas como um ambiente onde fazem amigos facilmente (77%) e ficam à vontade (76%). Sobre o relacionamento entre professores e alunos, cerca de 80% deles afirmaram que se relacionam bem com os professores, e isto ocorre de forma freqüente12. Ainda segundo a percepção da maioria dos alunos, estas escolas possuem um corpo docente interessado na sua aprendizagem, pois responderam que a maioria dos professores os incentiva a melhorar (60%), está disponível para esclarecer suas dúvidas (70%) e dá oportunidades para que expressem suas opiniões (44%)13. Esses dados parecem confirmar as pesquisas sobre o efeito-professor e o efeito-escola que indicam que é possível melhorar as aquisições de um grande número de alunos mediante estratégias adequadas de apoio e incentivo aos jovens (Bressoux, 2003).

        Os dados dos alunos quando relacionados aos derivados dos questionários dos pais e professores oferecem condições acrescidas de delinear as características pedagógico-institucionais das escolas investigadas.

        Quando perguntados sobre o envolvimento dos colegas-professores com relação às variáveis: “aprendizagem dos alunos", “melhoria da escola" e “responsabilidade pelos resultados", praticamente todos os professores se sentem co-responsáveis em relação aos itens abordados.

        No que diz respeito à relação professor-aluno, a maioria dos professores dos dois colégios sinaliza que seus alunos demoram muito tempo para fazer silêncio no início da aula (82% no colégio bilíngüe e 92% no confessional), e que têm dificuldade em prestar atenção (47% no colégio bilíngüe e 67% no confessional)14. Metade dos professores considera que os alunos entregam os trabalhos no prazo (47% no colégio bilíngüe e 50% no confessional). Em relação à variável “preocupam-se em entender a matéria", no colégio bilíngüe 53% dos professores sinalizam que sim e apenas 17% do colégio confessional. Cotejando com a variável “procuram o professor quando precisam de ajuda extra", pode-se supor que há uma correlação entre essas variáveis, uma vez que 75% dos professores do colégio confessional destacam que seus alunos os procuram nessa situação e pouco menos da metade (47%) dos professores do colégio bilíngüe. No entanto, apenas por meio de outros instrumentos (observações ou entrevistas) será possível estabelecer de forma precisa tais relações, pois “ajuda extra" pode ser entendida em outros aspectos além do estritamente pedagógico.

        Na tentativa de perceber como os professores caracterizam seus alunos no sentido de dar-lhes um perfil, alguns itens foram elencados: os professores dos dois colégios não consideram seus alunos estudiosos15; 65% dos professores do colégio bilíngüe e 58% do colégio confessional sinalizam que seus alunos são educados; os professores do colégio bilíngüe consideram seus alunos mais críticos (70% e 50% do colégio confessional); a arrogância16 não foi destacada como uma característica dos alunos dos dois colégios; a maioria dos professores do colégio confessional (92%) destaca que seus alunos são agitados e 65% do colégio bilíngüe. Vale ressaltar que no colégio confessional, o número de alunos em sala é quase o dobro daquele do colégio bilíngüe, apesar de os professores desse último também sinalizarem agitação (65%). Nos dois colégios, os professores assinalaram que seus alunos não são desligados (71% no colégio bilíngüe e 83% no confessional). Os professores informam, ainda, que seus alunos não são bagunceiros (94% e 92%, respectivamente).

        Uma pergunta aberta no questionário dos professores – Como v.caracterizaria os alunos desta escola se comparados com os alunos de outras escolas ? – oferece alguns depoimentos que indicam, de uma maneira geral17, uma expectativa bastante positiva a respeito dos alunos destas escolas. Destacamos alguns deles:

        Estão entre os melhores alunos da cidade... Brilhantes, muito criativos... Afetivos e participativos... Bem educados, meninos de boas famílias... Devido à procedência familiar, os alunos têm grande potencial de aprendizagem e de compreensão crítica, o que nem sempre ocorre em outras escolas particulares e quase nunca e, escolas públicas estaduais e municipais...

        Há outros depoimentos, entretanto, que relativizam essas impressões marcadamente positivas:

        Do mesmo nível intelectual (dos alunos de outras escolas), mas privilegiados socialmente... Elitizados... Do ponto de vista do comportamento em sala de aula, sem diferenças. Sobre a aprendizagem, o rendimento é melhor do que em escolas públicas, devido também a um maior poder aquisitivo, o que permite o acesso às aulas particulares e atividades extra... Do mesmo nível intelectual, mas privilegiados socialmente... Mais ricos; Educados, mas há exceções; esperam mais atenção dos professores; são menos independentes.. Em média mais interessados do que nas outras escolas; Muito competitivos...

        De acordo com Bourdieu (2001, p.193), “os julgamentos que pretendem aplicar-se à pessoa em seu todo levam em conta não somente a aparência física propriamente dita, que é sempre socialmente marcada (através de índices como corpulência, cor, forma do rosto), mas também o corpo socialmente tratado (como a roupa, os adereços, a cosmética e principalmente a maneira e a conduta) que é percebido através das o taxionomias socialmente construídas, portanto, lido como sinal da qualidade e do valor da pessoa". Assim esses professores - mesmo os que explicitam o sentido arbitrário das características favoráveis ao desempenho escolar - não deixarão de ser impactados em seu desempenho profissional pelas representações sobre os alunos (críticos, privilegiados socialmente, acesso a atividades extras, em média mais interessados...) o que significa responder às expectativas de alunos críticos, privilegiados socialmente etc.

        Em entrevista exploratória com uma professora18 de biologia de uma escola que faz parte do ranking de escolas mencionado no início deste artigo, e que atua com alunos pertencentes ao universo investigado, foi possível perceber o quanto ela detecta o papel preponderante da informação na vida dos alunos, ressaltando inclusive sua influência no conteúdo escolar a ser transmitido mas, os pré-conceitos quanto à sistematização de um conhecimento escolar faz com que destaque a diferença entre conhecimento e informação.

        “De um modo geral os meus alunos têm muita informação. Eles são meninos informados. Eu estou separando informação de conhecimento. Porque a informação está disponível, e conhecimento precisa ser construído. Aí é que pega! Mas ele é informado, porque ele é um menino que viaja, são filhos de pais com nível superior... acredito que têm conversa, eles ouvem,têm amigos,freqüentam lugares em que as pessoas têm escolaridade... eles falam bem, não cometem erros... eles têm informação. Quando chega na minha matéria, até tem... dou Biologia-basicamente o curso de Ecologia. Eu trabalho o 1o. semestre com evolução, e o segundo com ecologia. Olha só, o menino que tem informação, ele sabe, já ouviu falar os conceitos básicos. As informações básicas da matéria ele já tem. Então, ele não tem muita dificuldade em lidar com aqueles assuntos. Porque ele é um menino informado. Qual é a dificuldade que eu sinto campo do conhecimento? A dificuldade maior dele é sistematizar esse conhecimento".

        Ainda com o intuito de trazer a fala do professor com relação ao papel da informação na vida de seus alunos, Carvalho (1999) destaca um trecho de entrevista realizada com um professor de filosofia da 1a série do ensino médio que assinala a geração da informação e a não leitura por parte dos adolescentes.

        “...o que eu tenho percebido é que esses adolescentes não lêem muito, estão agora numa geração, que é a geração da informação através da televisão, da Internet, do computador... é uma geração de muita informação e pouca reflexão. Até a leitura para eles já está um negócio meio esquisito; a princípio... quando eles vêem ‘O mundo de Sofia’, grosso demais, falam, reclamam, mas eu forço a barra... tem que trazer e ler o livro na classe. Eu faço um esforço muito grande para que eles leiam. E tem dado um certo resultado".

        A percepção dos professores em relação à atitude familiar no que diz respeito à escolaridade dos filhos apresenta-se diferenciada: no colégio bilíngüe, as variáveis “presente" ou “presente apenas nas situações de crise" oferecem uma distribuição próxima (53% e 40%, respectivamente). No colégio confessional é marcante o percentual (73%) que considera as famílias “presente apenas nas situações de crise" e 9% para “presente". A variável “presente em excesso" não apareceu e a “ausente" aparece na seguinte proporção: 7% no colégio bilíngüe e 18% no confessional.

        Já no que concerne à caracterização das famílias em relação ao tipo de elite a que pertencem, os professores da amostra consideram-nas como elite econômica (100% do colégio bilíngüe e 75% do confessional); elite acadêmica (41% do colégio bilíngüe e 17% do confessional). No entanto, nenhum professor do colégio confessional considera essas famílias como representantes de uma elite cultural/artística, bem como política, enquanto que 18% do colégio bilíngüe as vêem pertencentes ao primeiro grupo e 6% ao segundo, respectivamente. Em relação a se pertencem à elite profissional, 18% do colégio bilíngüe e 33% do confessional as vêem como desse tipo de elite.

        No que diz respeito ao item “você se considera uma pessoa de elite", obtivemos os seguintes percentuais: 82% do colégio bilíngüe e 58% do confessional responderam “sim". As principais razões apresentadas por esse grupo são as seguintes: o nível de escolaridade alcançado e a possibilidade de continuar tendo acesso à educação ao longo da vida; um nível socioeconômico elevado tendo por base a realidade brasileira principalmente em relação à categoria docente; por ter acesso à cultura em geral e aos espaços culturais disponíveis na sociedade.

        Também no caso deste tema foi feita uma pergunta aberta sobre as razões porque consideravam-se ou não membros da elite. Uma das respostas pode dar uma chave de interpretação para as respostas negativas: Elite é um conceito muito negativo. Em termos econômicos pode ser uma "coisa", em termos políticos e culturais, outro.

         As razões indicadas para os que se consideram elite é marcadamente relacional pois evidenciam o sentimento de que intelectual e culturalmente percebem-se bem acima da média do conjunto da população, como indica a resposta de um dos professores: (Elite Cultural) Em nosso país, os poucos que tem acesso à cultura e à educação e conseguem sobreviver delas fazem parte de uma elite.

Práticas culturais

        Os padrões de consumo cultural dos professores investigados assemelham-se aos das elites estudadas. No que se refere à regularidade da leitura de jornais e/ou revistas, todos os professores dos dois colégios responderam afirmativamente a essa questão, sendo que O Globo e o JB são os mais lidos (93%). Nenhum deles lê jornais estrangeiros ou econômicos. A procura de informação está acompanhada pela leitura de revistas informativas semanais (Veja, Isto é), com um percentual um pouco mais elevado no colégio confessional (75% e 59%). Revistas do tipo esportiva, “fofoca", lazer e econômica não são lidas pela totalidade dos professores dos dois colégios. Destaca-se o baixo percentual (7%) para a leitura de revistas estrangeiras nos dois grupos, apesar de a presença de uma escola bilíngüe no universo investigado. Causa surpresa o baixo percentual de leitura entre os professores de revistas de divulgação cientifica (23% do colégio confessional e 8% do outro colégio), sobretudo em uma época em que a qualidade e variedade temática dessas publicações aumentaram significativamente .

        Perguntados acerca dos programas de televisão que assistem, a maioria dos professores tem preferência por jornais e noticiários (colégio bilíngüe, 76% e no colégio confessional, 96%), assim como documentários (70% do colégio bilíngüe e 83% do colégio confessional). Filmes ou seriados (47% do colégio bilíngüe e 34% do colégio confessional), shows e musicais (42% nos dois colégios) são vistos por cerca de 50% dos professores. Novelas (88% no colégio bilíngüe e 92% no colégio confessional) e humorísticos (82% no colégio bilíngüe e 67% no colégio confessional) praticamente não despertam o interesse da maioria e programas de auditório não são vistos pela totalidade dos professores. Ou seja, as preferências dos dois grupos se equivalem, com exceção dos programas esportivos (70% dos professores do colégio bilíngüe não assistem e metade do colégio confessional).

        Em relação às práticas culturais dos professores, eles reafirmaram o status de fração privilegiada da população brasileira. Optamos por apresentar na tabela abaixo a categoria de resposta “raramente ou nunca" para todas as variáveis investigadas.
Tabela 4

Freqüência* das práticas culturais

*Categoria de resposta "raramente ou nunca"
Consumo cultural Colégio bilíngüe Colégio confessional
Livrarias
13%
10%
Museus
36%
40%
Clubes
86%
50%
Restaurantes
0%
0%
Igrejas
71%
0%
Shoppings
7%
9%
Praias
57%
20%
Centros culturais
20%
20%-
Teatro
20%
11%
Cinema
13%
11%

        Nota-se que esse grupo freqüenta muito restaurantes, shoppings, livrarias e cinemas. Na seqüência, destacam-se centros culturais, teatros e museus. Praias e clubes são pouco freqüentados pelo grupo de professores. Em uma questão que especificava apenas a visita a museus e centros culturais, obtivemos um resultado mais apurado, isto é, 87% dos professores do colégio bilíngüe e 73% do confessional disseram ter visitado esses espaços nos últimos doze meses.

        De acordo com Ortiz (2000), já não são os valores “clássicos" que organizam a vida cultural, mas, o que alguns autores chamam de “cultura das saídas". A oposição “cultura erudita" x “cultura popular" é substituída por: “os que saem muito" x “os que permanecem em casa" (p.211).

        Levando-se em conta os tipos de museu, a distribuição apresenta-se da seguinte maneira: os museus de artes plásticas (29% no colégio bilíngüe e 25% no confessional); históricos (29% no colégio bilíngüe e 17% no confessional) foram os mais visitados. Já os museus de ciência (12% no colégio bilíngüe e 0% no confessional) tiveram baixa preferência por parte dos professores. Destaca-se a procura pelos centros culturais (65% no colégio bilíngüe e 42% no confessional). Museus no estrangeiro (24% no colégio bilíngüe e 8% no confessional). Ainda segundo Ortiz (op. Cit), a “modernidade-mundo" traz em seu bojo uma hierarquia de gostos e de inclinações estéticas. Mas nem a tradição, nem as artes são as forças estruturantes deste “campo cultural" e a freqüência e a intimidade com o mundo as artes deixam de ser vistos como sinal de distinção. Sua autoridade é diluída em outras atividades (p.212)).

Uma circularidade virtuosa?

        Esta pesquisa partiu da premissa que escolas de prestígio, como as que estamos estudando, são o locus de escolarização das elites dos diferentes tipos: intelectuais? artísticas? econômicas etc. É nossa suposição que os alunos, mesmo aqueles que procedem de camadas menos providas de capital (econômico, cultural, social etc.), ao se matricularem nessas escolas estão, de alguma forma, referidos às elites. Através dos investimentos em estratégias educativas e escolares próprias das elites, estas famílias estão simultaneamente apensando capital simbólico às credenciais escolares dos seus filhos e, garantindo uma aproximação social de setores das elites que potencializariam a aquisição de novas formas de capital.

        Esses dois tipos de capital – simbólico e social - funcionariam como “coringas" que ampliam as condições de sucesso no jogo social, tornando-se valiosos componentes na estrutura e volume de capital dos agentes. Por outro lado cabe destacar que o prestígio dessas escolas foi construído, e tende a se reproduzir com base nas características das clientelas que consegue atrair? Esse público constitui-se como um grupo que, em face de seu elevado capital escolar, é dotado de recursos críticos, bem acima da média da população brasileira? para monitorar simultaneamente o desempenho dos filhos e dos agentes institucionais que compõem o corpo técnico-administrativo dessas escolas? Desta forma? no cálculo dos efeitos agregados por essas escolas à sua clientela? em termos de qualidade de ensino? devem estar supostos os efeitos agregados pelo padrão de vida e pelo estilo educativo dessas famílias? Assim, uma “circularidade virtuosa"19 parece ocorrer quando as condições materiais das instalações dessas escolas, o projeto político-pedagógico que implementam e? a qualidade e experiência dos profissionais que elas recrutam vêm garantindo a fidelidade de uma clientela, potencialmente ideal? para reproduzir o selo de excelência acadêmica com que se distinguem no cenário educacional brasileiro? A ampliação da amostra de escolas vem nos oferecendo novos elementos para explorar esta hipótese.


1 Na realidade o sucesso escolar das elites e camadas médias abastadas é um tema que precisa ser cuidadosamente investigado, inclusive pelo que pode esclarecer sobre a “produção da qualidade de ensino” das principais escolas dos rankings. Ao início desta investigação nossa hipótese era que o valor agregado por essas escolas seria muito menor do que o senso comum supõe.

2 Estas suas escolas foram as primeiras das nove (9) que atualmente compõem o grupo de escolas de prestígio do município do Rio de Janeiro investigadas pelo SOCED.

3 Atualmente, nosso banco de dados – professores - ampliou-se bastante em virtude de termos incorporado mais sete (7) escolas à nossa amostra, assim como incluído os professores do ensino médio entre os professores investigados. O conjunto desses dados, numa análise preliminar, tem confirmado o perfil descrito neste texto.

4 A faixa etária dos professores que compõem o onde não ha nossa amostra apresenta-se acima dos 40 anos no dois colégios (47% de 40 a 49 anos e 50% com 50 anos ou mais) aproximando-se dos dados encontrados pela CNTE: predominantemente entre 40 a 59 anos (54%) e as demais, de 25 a 39 anos (38,4%) e de 18 a 24 anos (2,9%). Também os resultados obtidos pelo INEP/MEC demonstram que a faixa etária dominante dos professores está entre 41 a 45 anos, seguido pela de 31 a 35 anos.

5 Segundo dados de recente pesquisa da UNESCO (2004) sobre o perfil dos professores, apenas 6,1% dos professores destes níveis ganham acima de 20 salários mínimos.

6 Em um dos poucos setores do mercado de trabalho em que não há escassez de vagas, a permanência no emprego pode ser tomada como um indicador de satisfação no trabalho.

7 A continuidade do trabalho de campo, com a entrada em 7 outras escolas, tem nos permitido registrar uma série de observações e depoimentos (em sala de aulas, reuniões de professores, entrevistas, conversas informais etc.) que indicam a presença de características assinaladas por Cousin. Entretanto, só um trabalho mais sistemático de coleta e construção dos dados, já previsto para as próximas etapas da pesquisa, poderá ancorar uma interpretação mais rigorosa destas primeiras inferências.

8 Submetidos portanto à dupla arbitrariedade do capital cultural assinalada por Bourdieu, que implica simultaneamente em o reconhecimento da “cultura legítima” e no desconhecimento de seu caráter arbitrário, ou seja, das bases sociais (arbitrárias) em que se assenta aquela legitimidade. Ver a respeito, Bourdieu (1979, p.452).

9 É reconhecida a ênfase acadêmica dos cursos de mestrado e doutorado, bem mais voltados para a formação de pesquisadores do que de professores nos bons Programas de Pós Graduação em Educação no Brasil.

10 Ver a respeito FRANCO, Creso. Educação das Elites no Brasil: a Bélgica não existe. In: Trabalho e Sociedade. Rio de Janeiro: Ano 2. nº 4, 2002.

11 Em entrevistas realizadas com professores das escolas públicas federais, por várias vezes os depoimentos obtidos assinalavam as vantagens de trabalhar em uma única instituição, permitindo uma maior integração inter-pares e um maior conhecimento dos alunos.

12 Cabe destacar, no entanto que 20% afirmaram que os alunos raramente se relacionam bem com os professores.

13 Em termos de percepções negativas sobre os professores obtivemos os seguintes percentuais de respostas: 5% não os incentivam a melhorar, 3% não estão dispostos a esclarecer dúvidas, 10% não dão oportunidade para expressarem as suas opiniões.

14 No início da pesquisa, e em caráter exploratório, a equipe do SOCED desenvolveu por cerca de um mês e meio observações em sala de aula. O material coletado levou-nos a levantar algumas questões preliminares sobre o estilo de cognição dos jovens. Ver a respeito, Brandão e outros (2003) Relatório Técnico. Departamento de Educação, PUC-Rio.

15 Apenas dois professores, um de cada escola, responderam afirmativamente.

16 Apenas um professor do colégio confessional respondeu afirmativamente.

17 As avaliações negativas são exceções.

18 A entrevista foi realizada por duas integrantes do grupo, em janeiro de 2003, com uma professora de 54 anos que também atua no ensino público.

19 Essa expressão é criada tomando como referência a noção de “círculo virtuoso” empregado por Maria Alice Nogueira (2000) para caracterizar a trajetórias escola particulares/ universidades públicas de prestígio próprias das elites






REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

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BOURDIEU, Pierre. (1979) Os três estados do capital cultural. In: NOGUEIRA, M. A.; CATANI, A. (orgs.) Escritos de Educação, 3a ed., 2001. Petrópolis, RJ: Vozes, pp.73-79.

_____. La Distinction. Paris: Les Éditions de Minuit, 1979.

_____. Sociología y cultura. México: Grijalbo. Colec. Los Noventa, 1990.

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DANTAS, Marcos. A lógica do capital-informação: a fragmentação dos monopólios e a monopolização dos fragmentos num mundo de comunicações globais. 2a ed. Rio de Janeiro: Contraponto, 2002.

GARCÍA CANCLINI, Nestor. Culturas híbridas. São Paulo: Edusp, 2000.

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SARLO, Beatriz. Cenas da vida pós-moderna: intelectuais, arte e videocultura na Argentina. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 2000.