Ftool: Um Programa Gráfico-Interativo para Ensino de Comportamento de Estruturas

Luiz Fernando Campos Ramos Martha
Professor Associado
Departamento de Engenharia Civil e
TeCGraf - Grupo de Tecnologia em Computação Gráfica
Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio)
Rua Marquês de São Vicente, 225, Rio de Janeiro, RJ, Brasil

E-mail: lfm@tecgraf.puc-rio.br



Resumo: Este memorial descreve um sistema gráfico interativo cujo objetivo principal é fornecer ao estudante de engenharia estrutural uma ferramenta para aprender o comportamento estrutural de quadros planos. O sistema consiste de uma interface gráfica com o usuário baseada em manipulação direta, com menus em cascata e botões, e que pode ser executado em praticamente em qualquer plataforma, de micro computadores a estações gráficas de trabalho. O estudante tem controle total sobre o modelo estrutural sendo analisado. A manipulação no modelo é feita através de entrada via mouse e todos os efeitos são instantaneamente exibidos graficamente na tela do computador. O programa integra todas as fases do processo de análise estrutural: criação e manipulação do modelo com aplicação de atributos (pré-processamento), análise numérica pelo método da rigidez direta e visualização de resultados (pós-processamento). Uma estrutura de dados bastante eficiente, baseada em topologia computacional, permite uma integração natural entre estas fases e uma poderosa capacidade de modelagem e visualização. Esta integração é o aspecto fundamental no processo de aprendizagem, permitindo o estudante experimentar com rapidez diferentes concepções estruturais para uma estrutura e assim entender melhor o seu comportamento estrutural.
 
 

1. Introdução

O entendimento do comportamento estrutural de quadros reticulados requer experiência e conhecimento de análise e projeto estrutural. Estudantes de engenharia estrutural passam a maior parte dos cursos de análise estrutural aprendendo os aspectos teóricos dos métodos existentes de análise. Usualmente, o estudante só vai compreender completamente o comportamento real de quadros estruturais nos cursos mais adiantados de projeto estrutural no final da graduação. Não raramente, este conhecimento só é adquirido após a graduação, durante a vida profissional.

A nossa experiência na PUC-Rio tem mostrado que o processo de aprendizado dos métodos de análise estrutural não é eficiente sem o conhecimento sobre o comportamento estrutural. É muito difícil motivar o aluno padrão a aprender a teoria dos métodos de análise sem entender como o modelo sendo analisado se comporta na prática. O processo de aprendizado dos métodos de análise melhoraria bastante se o estudante pudesse aprender sobre o comportamento estrutural simultaneamente.

Existem vários programas de computador para análise de estruturas de quadros, sendo que estes programas são disponíveis mesmo no meio acadêmico. Entretanto, praticamente nenhum destes programas foi desenvolvido com o intúito de ensinar o comportamento estrutural. Nós pensamos que existe uma falta de ferramentas acadêmicas para ensinar comportamento estrutural. Este memorial descreve uma experiência no desenvolvimento e uso de um sistema gráfico interativo cujo objetivo principal é fornecer ao estudante de engenharia estrutural uma ferramenta com esta característica.

O sistema acadêmico proposto não objetiva o ensino de técnicas numéricas para a análise de quadros. Esta é uma área acadêmica muito importante que também precisa ser abordada (McGuire 1979). O programa Gismo do projeto SOCRATES da Universidade de Cornell (Mink 1988) executa esta tarefa muito bem e é utilizado atualmente em nossa Universidade. Ao invés disso, o ponto principal do programa apresentado é a integração de uma interface com usuário amigável, de uma criação e manipulação eficiente do modelo (pré-processamento), de uma análise numérica rápida e transparente e de uma visualização de resultados rápida e efetiva (pós-processamento) para propiciar uma plataforma ideal para o ensino de comportamento estrutural de quadros planos.

Nós acreditamos que nenhum dos programas de análise por elementos finitos disponíveis comercialmente, tais como SAP90, MSC/PAL, ou COSMOS M, apresenta o grau de integração entre as fases de pré-processamento, análise numérica e pós-processamento, a facilidade de uso, a capacidade de modelagem e a versatilidade de visualização de resultados de análise como o sistema apresentado neste memorial. Isto se dá porque nenhum desses programas foi projetado como uma ferramenta de ensino. As estruturas de dados desses programas foram criadas principalmente para implementar as tarefas de análise numérica por elementos finitos. No projeto de um programa educacional gráfico interativo eficiente, é preciso criar uma estrutura de dados que realmente propicie uma integração de todas as fases da simulação. Além disso, as fases de modelagem, análise e visualização de resultados devem ser integradas em uma única interface com o usuário.

Este memorial reporta os principais aspectos de modelagem e visualização do programa FTOOL para ensino de comportamento estrutural de quadros planos. Também são resumidos as principais características do esquema de representação interna de dados do programa. O módulo que faz a análise numérica propriamente dita segue o usual método da rigidez direta e é implementado segundo uma disciplina de programação orientada a objetos (Guimarães 1992). Como a análise numérica é transparente ao usuário, este módulo não é descrito neste memorial.

Com respeito à interface gráfica utilizada, o sistema de interface IUP/LED e o sistema gráfico CD (Canvas Draw), ambos desenvolvidos no TeCGraf/PUC-Rio, foram utilizados. Esta interface promove uma portabilidade do programa para diversos tipos de ambientes, de micro computadores compatíveis com a linha IBM-PC a estações gráficas de trabalho baseadas no sistema operacional UNIX e no sistema de janelas X-windows.

Deve ser observado que optou-se por uma interface com o usuário com os comandos e mensagens escritos em inglês. Isto foi feito porque o presente programa educativo também atende aos parceiros acadêmicos internacionais do grupo de pesquisa da PUC-Rio, em particular aos Departamentos de Engenharia Civil da Universidade de Cornell (EUA) e da Universidade de Alberta (Canadá).
 
 

2. Processo de modelagem

A fase de pré-processamento consiste da criação e modificação do modelo estrutural. O sistema provê um editor gráfico interativo bastante inteligente para a criação do reticulado do modelo. Isto se baseia em uma estrutura de dados poderosa e eficiente, baseada em topologia computacional, que será resumida na seqüência.

A Figura 1 mostra a tela da fase de pré-processamento do programa. No topo da tela, se encontra uma barra com os menus em cascata para as opções de projeto e de atributos do modelo. No lado direito da tela, existem vários botões para controlar a modelagem propriamente dita e a visualização da modelagem. No menu File existem opções para salvar o modelo corrente em arquivo de disco, para carregar na memória o modelo de um arquivo previamente salvo ou para reinicializar a simulação. O menu Analysis direciona o fluxo de controle da simulação para a análise numérica e para a fase de pós-processamento da simulação.
 
 

Figure 1 - Tela de pré-processamento com um quadro como exemplo.


 


Os botões de modelagem são usados para criar e modificar a geometria e topologia de uma estrutura reticulada. O botão Line é usado para inserir membros (elementos de barra) no modelo. Membros selecionados podem ser copiados, transladados ou rotacionados. Durante a modelagem, a interseção entre dois membros é automaticamente detectada, resultando na criação, também automática, de um nó no ponto de interseção. Nós também podem ser inseridos em membros, o que é feito usando o botão Vertex. A inserção de um nó é usada para aplicar uma carga concentrada em um membro, que neste caso é dividido em dois. Qualquer seqüência de passos de modelagem pode ser desfeita, e também refeita usando os botões Undo e Redo. Isto também se baseia na eficiência da estrutura de dados embutida.

Os atributos do modelo consistem de propriedades elásticas e das seções transversais dos membros (menu Member), condições de suporte de nós (menu Support), liberação de rotação nas extremidades de barras (menu Release) e carregamentos nodais e em membros (menu Loading). O programa provê condições de suporte normais, em apoios inclinados e com deslocamentos prescritos, cargas uniformes e linearmente distribuídas em membros e forças e momentos concentrados em nós. Todos os atributos podem ser exibitos visualmente na tela em qualquer instante durante a simulação.
 
 

3. Visualização de resultados de análise

Em uma análise estrutural típica de quadros, os resultados da simulação consitem de configuração deformada da estrutura, diagramas de esforços internos (momentos fletores, esforços cortantes e esforços axiais), valores numéricos dos deslocamentos e esforços internos e valores das reações de apoio.

No presente sistema, estes resultados podem ser consultados e visualizados em qualquer estágio da simulação, e em qualquer ordem. Este é um aspecto fundamental do processo de aprendizagem proposto: a facilidade com que os resultados da simulação podem ser visualizados proporciona um entendimento adequado do comportamento estrutural pelo estudante. Quando o estudante compreende completamente e rapidamente os resultados de um estágio da simulação, ele pode ir e voltar entre as fases de modelagem e visualização de resultados, testando diversas concepções, geometrias e atributos para a estrutura, sempre interpretando os resultados deste experimentos.

A tela de pós-processamento do programa é mostrada nas Figuras 2, 3 e 4. A Figura 2 mostra uma configuração deformada de um quadro, a Figura 3, um diagrama de momentos fletores e a Figura 4, um diagrama de esforços cortantes.
 
 

Figure 2 - Tela de pós-processamento com configuração deformada do quadro.

 

Figure 3 - Tela de pós-processamento com diagrama de momentos fletores.

 

Figure 4 - Tela de pós-processamento com diagrama de esforços cortantes.


 



4. Estrutura de dados topológica e subdivisão planar

O grau de sofisticação da interação com o usuário para manipulação do modelo de simulação e visualização de resultados objetivado na presente ferramenta educacional impõe requisitos severos de performance ao esquema de representação de dados. Os principais objetivos na definição desta estrutura de dados foram:

Pode-se observar que a representação de dados convencional de elementos finitos que é adotada na maioria dos sistemas disponíveis não preenche todos os requisitos acima descritos. Experiências anteriores do nosso grupo de pesquisa no desenvolvimentos de outras ferramentas acadêmicas (Carvalho 1990) indicam que a estrutura de dados deve ser centralizada em uma representação topológica completa de uma subdivisão planar, com busca eficiente de informações de adjacência. Topologia não é somente um meio conveniente de armazenar as informações necessárias, mas também é um poderoso agente organizador dos dados. Ela provê um mecanismo através do qual todas as relações necessárias podem ser armazenadas e manipuladas de forma matematicamente consistente. No caso de modelagem de quadros planos, os vértices da subdivisão planar são relacionados com os nós do quadro e as curvas (arestas) da subdivisão são relacionadas com os membros (elementos de barra) do quadro.

O problema de criar e manter uma subdivisão planar se refere ao problema de "Representação de Fronteiras" de Modelagem de Sólidos (Mäntylä 1988, Hoffmann 1989). Este método de representação armazena a descrição das relações de adjacência entre as entidades topológicas de um poliedro (vértices, arestas e faces). No caso plano, a fronteira do sólido é um grafo planar, isto é, uma subdivisão do plano em regiões, que são limitadas por arestas, que são limitadas por vértices. Portanto, a ferramenta para a criação de uma subdivisão planar pode ser vista como um caso especial de um modelador de sólidos, no qual a geometria é mais simples (Carvalho 1990, Cavalcanti 1991). A conseqüência desta observação é que toda os procedimentos desenvolvidos para representar a fronteira de um sólido podem ser usados para representar subdivisões planares. A estrutura de dados topológica usada na presente ferramenta educacional é descrita nas referências (Carvalho 1990, Cavalcanti 1991, Cavalcanti 1992).
 
 

5. Conclusão

Este memorial descreve um sistema gráfico interativo para ensino de comportamento estrutural de quadros planos. A integração completa das fases de pré-processamento, análise numérica e pós-processamento, através de uma interface amigável e eficiente, cria um ambiente onde os resultados de um passo da simulação podem ser interpretados pelo estudante e usados como informação para determinar as modificações de modelagem no passo seguinte. Ao testar diferentes concepções estruturais, carregamentos e propriedades de membros, e verificando a influência destas experiências na resposta da estrutura, nós acreditamos que o estudante compreende melhor o comportamento estrutural.

Este sistema vem sendo usado regularmente no curso de Análise Estrutural (Estruturas Hiperestáticas) da Graduação em Engenharia Civil da PUC-Rio nos últimos dois anos (quatro períodos) e também em outras disciplinas tais como o curso de Estruturas de Aço. O resultado desta experência tem sido muito positivo, tanto do ponto de vista do professor, quanto dos alunos. As avaliações dos alunos com respeito à utilização do sistema tem sido excelente. Eles consideram que esta ferramenta auxilia e facilita bastante o aprendizado. O responsável pelo programa, que leciona o curso de Estruturas Hiperestáticas, acredita que, após a utilização do sistema como uma ferramenta acadêmica, o rendimento do curso melhorou bastante.

Além da possibilidade de compreender melhor o comportamento de estruturas, o programa também auxilia no ensino dos métodos básicos da Análise Estrutural: Método das Forças e Método dos Deslocamentos. Anexo, se encontram três trabalhos que foram solicitados aos alunos do curso de Estruturas Hiperestáticas do primeiro semestre de 1994. O primeiro tinha como objetivo entender a fase de criação do modelo estrutural dentro da Análise Estrutural para estruturas reticuladas, isto é, identificar a passagem da estrutura real para o modelo matemático. Os outros dois tinham como objetivo ensinar a teoria dos Métodos das Forças e dos Deslocamentos através de experimentos computacionais.
 
 

Referências

Carvalho, P.C., Gattass, M., and Martha, L.F., "A Software Tool which Allows Interactive Creation of Planar Subdivisions, and Applications to Educational Programs," Proceedings of International Conference CATS'90, Spain, July 1990, Edited by E. Oñate et al., CIMNE-Pineridge Press, pp. 201-207, 1990.

Cavalcanti, P.R., Carvalho, P.C.P. e Martha, L.F., "Criação e Manutenção de Subdivisões Planares", Anais do IV Simpósio Brasileiro de Computação Gráfica e Processamento de Imagens, USP/SBC, São Paulo, SP, Jul. 1991, pp. 13-24, 1991.

Cavalcanti, P.R., "Criação e Manutenção de Subdivisões do Espaço", Tese de Doutorado, Depto. de Informática, PUC-Rio, 1992.

Guimarães, L.G.S., Menezes, I.F.M. e Martha, L.F., "Disciplina de Programação Orientada para Objetos para Sistemas de Elementos Finitos", Anais do XIII Congresso Ibero Latino Americano sobre Métodos Computacionais para Engenharia, UFRGS/AMC, Porto Alegre, RS, Nov. 1992, pp. 342-351,1992.

Hoffmann, C.M., Geometric and Solid Modeling: An Introduction, Morgan Kaufmann Publishers, Inc., San Mateo, California, 1989.

McGuire, W. and Gallagher, R.H., Matrix Structural Analysis, John Wiley & Sons, New York, New York, 1979.

Mink, C. (Cornell University), "Project SOCRATES Enhances the Quality of Engineering Education," EDU Special Edition on Workstations for Education, 1988.

Mäntylä, M., An Introduction to Solid Modeling, Computer Science Press, Rockville, Maryland, 1988.